Ajovy: experiência do uso do fremanezumabe no tratamento para a enxaqueca - Entrevista transcrita com Dr. Mohamad Ali.
- Telix

- 13 de nov.
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Atualizado: 24 de nov.
Marina: Bom dia! Hoje vamos ouvir a experiência prática do Dr. Mohamad Ali com o uso do medicamento Ajovy no tratamento de seus pacientes com enxaqueca.
O Dr. Mohamad é palestrante em congressos internacionais e atende como neurologista, realizando consultas presenciais em Curitiba e também consultas online em quatro idiomas diferentes.
Muito internacional o atendimento do Dr. Mohamad. Dr. Mohamad, você pode nos dizer em quais circunstâncias você indica o Ajovy para seus pacientes com enxaqueca?
Dr. Mohamad: Marina, boa tarde! Primeiramente, muito obrigado pela oportunidade. Vamos conversar a respeito do anticorpo. Antigamente, principalmente a partir de 2019, quando as medicações chegaram aqui no Brasil, havia uma indicação formalizada para o uso do anticorpo, caso fosse em 2019, qualquer outro anticorpo, após a falha de pelo menos dois tratamentos preventivos. Naquela época, não existiam muitos estudos de vida real dos pacientes e não havia muita experiência prática com a prescrição. Então, havia esse consenso de que era necessário falhar em outros tratamentos para depois iniciar o anticorpo monoclonal.
Hoje isso já não é mais uma verdade. Podemos indicar e prescrever os anticorpos desde a primeira consulta, seja para pacientes que nunca foram submetidos a um tratamento preventivo ou para aqueles que já realizaram outros tratamentos preventivos, incluindo casos de enxaqueca crônica refratária ou resistente.
Acho importante que o público entenda serem medicações, como o fremanezumabe, sobre o qual estamos conversando hoje, feitas especificamente para o tratamento preventivo da enxaqueca. São as primeiras medicações desenvolvidas com esse propósito.
Pacientes com enxaqueca, tanto episódica quanto crônica, têm hoje indicação formal para o uso do anticorpo monoclonal já como primeira linha de tratamento.
Marina: Entendi. Então, se vocês que estão nos assistindo têm enxaqueca, existe essa possibilidade de, já na primeira consulta com o neurologista, ele indicar esse tratamento.
O tratamento com o Ajovy é um pouquinho diferente do que estamos acostumados, sendo o comprimido. Doutor, pode nos explicar como é a aplicação do Ajovy, qual é a frequência e como isso funciona?
Dr. Mohamad: Então, até é uma curiosidade interessante para o público. Existem estudos evidenciando que a posologia, ou seja, o fato de o paciente tomar uma medicação por via oral todos os dias, influencia diretamente na taxa de permanência ao longo do primeiro ano de tratamento. O uso de medicações da classe dos anticonvulsivantes, dos remédios para pressão alta e dos antidepressivos, que até então eram as únicas opções disponíveis para o tratamento preventivo, apresenta uma alta taxa de desistência.
Diferentemente do anticorpo, sendo aplicado uma vez por mês, ou no caso do fremanezumabe, trimestralmente (três doses a cada três meses), as medicações orais costumam ter baixa adesão. Menos de 15% a 17% dos pacientes que iniciam o tratamento via oral permanecem com a medicação até o final do primeiro ano. Isso é algo muito relevante, especialmente para pacientes com enxaqueca crônica, que geralmente desistem com mais facilidade.
Quanto mais tratamentos preventivos falham, seja por má adesão, intolerância ou falta de orientação adequada, maior é a chance de o paciente falhar novamente em outras tentativas. Nesse sentido, o uso de anticorpos como o fremanezumabe, aplicado uma vez por mês, aumenta significativamente a adesão tanto a curto quanto a longo prazo.
Essa facilidade não se deve somente à posologia mais prática, mas também ao fato de os efeitos colaterais serem muito poucos ou até inexistentes. O paciente, que antes tinha reações adversas com medicações orais não específicas, tem uma experiência mais segura, com pouquíssimas contraindicações e uma taxa de sucesso considerável.
Sabemos que não existe milagre nos anticorpos monoclonais, mas a combinação de boa eficácia, baixa taxa de efeitos colaterais e excelente adaptação ao tratamento faz com que os pacientes tenham uma adesão muito maior e, consequentemente, um melhor resultado clínico.
Marina: Entendi. E nesse caso, o doutor falou das reações adversas. O doutor já atendeu algum paciente... Só para esclarecer para quem não sabe, o fremanezumabe é uma injeção que é aplicada , não é um remédio em comprimido tomado uma vez por mês, e sim uma aplicação injetável. Essa aplicação o paciente pode fazer em casa ou ele precisa ir a uma clínica para realizar a aplicação, doutor, do Ajovy?
Dr. Mohamad: O paciente pode fazer a aplicação perfeitamente em casa, desde que seja bem orientado. Hoje existem materiais e artigos de orientação voltados aos pacientes. Caso o paciente queira, eu mesmo me proponho a fazer a primeira aplicação no consultório, sem custo algum, já que a medicação é adquirida por ele. Existem programas de desconto oferecidos pela própria indústria farmacêutica, o que ajuda muito na adesão a longo prazo e facilita o tratamento.
O perfil dos pacientes com enxaqueca é bastante variado, e nem todos têm condições de adquirir o anticorpo pelo preço atual, então essa iniciativa da indústria foi excelente, pois aumentou bastante a adesão.
Basicamente, o paciente pode realizar a aplicação em casa, pois o Ajovy vem em uma caneta com uma agulha semelhante à de insulina. A aplicação é feita na região subcutânea, e eu geralmente oriento que seja feita na região abdominal. É praticamente indolor.
A recomendação é retirar a caneta da refrigeração , onde deve permanecer entre 2 °C e 8 °C , e deixá-la em temperatura ambiente por pelo menos meia hora antes da aplicação, para evitar o desconforto causado pelo frio. Fora isso, o procedimento é muito seguro.
Também há a opção de o paciente realizar a aplicação em farmácias, se preferir. Mas, na prática, depois da primeira aplicação supervisionada, a maioria dos pacientes passa a fazer sozinha em casa, com segurança e tranquilidade.
Marina: Que bom, doutor. E sobre as reações adversas, o senhor já atendeu algum paciente que tenha apresentado alguma reação com o uso do Ajovy?
Dr. Mohamad: Muitos dos relatos que recebemos não temos certeza se são de fato efeitos colaterais ou eventos adversos relacionados à medicação , são coisas diferentes. Os efeitos colaterais normalmente são muito sutis. A contraindicação ocorre apenas em pacientes com hipersensibilidade à droga.
Para se ter uma noção, os níveis de Ajovy que já foram testados, em doses até dez vezes maiores que as habituais, não apresentaram hipersensibilidade significativa nem efeitos adversos relevantes. Isso demonstra que a segurança do medicamento é muito alta.
Os efeitos colaterais mais comuns que percebemos na prática clínica são leves: geralmente uma vermelhidão no local da aplicação (rash cutâneo), que pode deixar a região um pouco endurecida e coçando. Alguns pacientes relatam incômodo pela coceira, mas o uso de medicamentos antialérgicos costuma ajudar, e o quadro se resolve espontaneamente em poucos dias.
Raramente pode ocorrer uma vermelhidão que se espalha para outras regiões do corpo, mas são reações autolimitadas e que não costumam reaparecer nas aplicações seguintes. Eu mesmo já tive dois casos assim, e nenhum deles precisou suspender o tratamento.
Há também estudos mostrando que, não só com o fremanezumabe, mas com outros anticorpos , especialmente os que bloqueiam o receptor CGRP, pode haver constipação leve como efeito adverso. Em geral, é um quadro leve, mas pacientes que já têm constipação prévia podem responder um pouco menos ao tratamento, dependendo da gravidade do caso.
No geral, os efeitos colaterais costumam ser leves e transitórios, o que traz segurança e satisfação aos pacientes, sem causar interrupção do tratamento, algo muito comum com outras terapias.
Marina: Legal. Então, só esclarecendo para quem está nos assistindo, constipação significa prisão de ventre, ou seja, dificuldade para ir ao banheiro.
Doutor, no caso de um paciente que usa o Ajovy e desenvolve prisão de ventre , não aquele que já tinha o problema antes, pois nesse caso o tratamento pode ter menos efeito ,, mas de alguém que não tinha constipação e passou a ter depois do uso, como isso deve ser tratado?
É algo que pode ser controlado com alimentação rica em fibras e aumento na ingestão de água, ou existe alguma medicação específica? E, em casos assim, é indicado interromper o uso do Ajovy ou o tratamento pode continuar normalmente?
Como funciona esse manejo da prisão de ventre em quem faz uso do Ajovy?
Dr. Mohamad: Eu sempre digo que o comum vai ser o mais certo, correto? Tenho vários pacientes que apresentam constipação, e tenho absoluta certeza de que os colegas que estão assistindo também têm outros pacientes com esse mesmo quadro de ressecamento que fazem uso do Ajovy.
Não é uma regra que o paciente com constipação não possa utilizar a medicação. De forma alguma isso é uma contraindicação, nem absoluta nem relativa. É apenas uma orientação que precisa ser considerada, porque alguns efeitos colaterais ou condições clínicas podem interferir na atuação da medicação.
Também não existe uma conduta única. A suspensão só é indicada se o paciente estiver tendo algum prejuízo significativo com o uso da droga. O ideal é conversar com o paciente, esclarecer a relação possível entre o sintoma e a medicação e avaliar o grau do desconforto , por exemplo, há quantos dias ele está constipado e se isso tem impactado sua rotina.
Na maioria dos casos, é possível manejar a situação com ajustes alimentares, aumento da ingestão de fibras e de água. Eu, particularmente, costumo encaminhar o paciente a um profissional da área nutricional, que tem mais capacitação para orientar nesse aspecto.
Quando os efeitos colaterais são leves ou moderados, não há necessidade de interromper o tratamento imediatamente, a menos que o quadro seja grave , o que é muito raro com o fremanezumabe. Muitas vezes, com o acompanhamento adequado, o paciente melhora e consegue continuar o tratamento sem problemas, o que é ótimo, pois a maioria não quer suspender a medicação.
O importante é sempre lembrar que a premissa do médico é não causar um problema ao tentar tratar outro.
Marina: Sim, perfeito, perfeito. Doutor, estamos falando dos benefícios e de como os pacientes não querem parar o uso justamente porque melhoram. O senhor pode compartilhar com a gente como tem sido o acompanhamento dos seus pacientes que usam o Ajovy?
Como essa melhora acontece? De que forma eles percebem essa evolução e em quais aspectos o senhor nota essa melhora?
Dr. Mohamad: Marina, eu vou ser bem sincero, e aproveito que o público está nos assistindo porque isso é importante, mesmo estando falando de uma medicação específica. Particularmente, eu procuro sempre equilibrar o que observo na minha prática clínica com o que a literatura científica apresenta.
A literatura é muito clara ao mostrar que a medicação tem uma eficácia significativa e realmente ajuda. No consultório, observamos uma taxa de eficácia que gira em torno de 60% a 65% já nos primeiros três meses de uso. Ou seja, até 65% dos pacientes têm uma melhora superior a 50% na frequência das crises de enxaqueca nesse período inicial.
É importante reforçar aos pacientes que o objetivo do tratamento não é eliminar completamente as dores, mas sim reduzir de forma relevante a intensidade e a frequência. Alguns pacientes chegam a apresentar melhora de até 75% nos primeiros três meses, sendo considerados superrespondedores, embora esse grupo seja menor.
Existem também os pacientes que não apresentam melhora logo no início, mas passam a responder entre o terceiro e o sexto mês. Além disso, há os chamados respondedores tardios, que começam a perceber os benefícios entre seis e doze meses de tratamento.
Os estudos de vida real com o fremanezumabe mostram uma chance de até 85% de resposta após 12 meses, o que é um resultado bastante expressivo. A grande questão é como orientar o paciente a ter paciência e compreender que a melhora pode levar tempo, especialmente considerando que a enxaqueca é uma condição que causa muito sofrimento e limitação.
Essa conversa precisa acontecer de forma próxima entre médico e paciente, dentro do consultório. A literatura e a experiência clínica mostram claramente que o fremanezumabe e os demais anticorpos vieram para mudar o paradigma do tratamento da enxaqueca.
A expectativa é que, com o passar dos anos e o aumento dos estudos e da prática clínica, tenhamos ainda mais dados consistentes e resultados promissores , talvez até ampliando o uso desses medicamentos para outras condições além da enxaqueca.
Marina: Entendi. Essa questão é bem importante para o público compreender. As pesquisas falam em redução de 50%, e o que isso significa?
Significa que a expectativa para as pessoas que melhoram com o tratamento não é ficar totalmente livres da dor, mas sim reduzir o número de dias de dor.
Por exemplo, se o paciente tinha 15 dias de enxaqueca por mês, ele pode passar a ter 7 dias, o que representa uma melhora significativa na qualidade de vida.
Então, esses 65% mencionados correspondem justamente às pessoas que conseguem reduzir de 15 para 7 dias as crises de enxaqueca mensais. É essa a interpretação correta desses dados, certo?
Dr. Mohamad: A regra, na verdade, é que não existe uma regra. Os consensos , nacionais, internacionais ou americanos , trazem uma porcentagem média de melhora, mas isso serve apenas como referência para definir o sucesso do tratamento.
Essa marca de 50% de redução é algo muito subjetivo. Há pacientes que melhoram 70%, e ainda assim não se sentem plenamente satisfeitos, especialmente os que têm enxaqueca crônica. Isso porque a enxaqueca crônica não envolve apenas a dor típica da crise, mas também outros tipos de dor, como a tensional , aquela dor contínua, que fica na cabeça, no pescoço, e não passa, mesmo fora dos dias de crise. Essa dor também faz parte do quadro da enxaqueca crônica.
Quando os estudos falam em “melhora de 50%”, geralmente estão se referindo à redução do número de dias de dor de enxaqueca. Mas é importante entender se isso também se reflete na diminuição dos dias de dor de cabeça em geral, inclusive das dores residuais, que incomodam, mas não incapacitam.
Muitas vezes o paciente diz: “Não melhorei nada com a medicação.” E então perguntamos: “Você fez o diário de dor?” Se o paciente manteve o registro, percebemos que houve, sim, uma redução significativa, às vezes de 70% nos dias de enxaqueca, mas ele ainda sente aquela dorzinha leve e constante.
Essa dor residual tem menor intensidade, incomoda menos e exige menos uso de analgésicos. O paciente deixa de ter dores incapacitantes, mas como a dor não desaparece completamente, ele pode sentir que não melhorou o suficiente.
Por isso, é fundamental orientar bem o paciente: a melhora de 50% não é um limite, e sim uma média. Queremos sempre mais. Cada pessoa tem uma percepção única da dor, e não é possível comparar uma experiência com outra. A meta é sempre buscar o melhor resultado possível dentro da realidade de cada paciente.
Marina: Entendi. Então, o que os estudos mostram, e que o doutor também percebe na prática, é que não se trata de um milagre. A pessoa não vai tomar a medicação e simplesmente nunca mais sentir dor, como muitos pacientes esperam. Eles acreditam que vão tomar o remédio e, depois de um tempo, talvez três meses, terão uma vida completamente normal, sem dor. Mas essa não é a realidade observada no uso do medicamento.
Ele é melhor do que outros, porém o que acontece, na prática, é uma redução na quantidade de dias de dor, não a eliminação total. Por exemplo: quem tinha 30 dias de dor pode passar para 15; quem tinha 15 dias pode reduzir para algo próximo disso. É uma média, não uma regra fixa. Mas não é um milagre. O tratamento não vai entregar aquela vida totalmente sem dor que muitas pessoas imaginam apenas com o uso da medicação.
Esse ponto é importante para o paciente compreender, para evitar expectativas irreais em relação ao tratamento e à própria consulta médica. A interpretação que eu fiz está correta, doutor, ou não?
Dr. Mohamad: Quando falamos de tratamento preventivo, é importante esclarecer que isso não é apenas um conceito mal compreendido pela população, mas também por alguns profissionais de saúde , inclusive médicos de outras áreas além da neurologia. Existe uma visão equivocada de que melhorar a dor de cabeça significa apenas reduzir o número de dias com dor.
Na realidade, quando falamos em sucesso do tratamento preventivo, precisamos avaliar vários fatores:
A frequência das crises;
A intensidade da dor;
O número de dias de uso de analgésicos;
A quantidade e o tipo de analgésicos utilizados;
E a duração das crises.
Muitos pacientes relatam que, mesmo quando o analgésico não funciona totalmente, após o início do uso dos anticorpos monoclonais eles percebem que a dor dura menos tempo e que o analgésico passa a agir mais rápido. E esse é exatamente o objetivo do tratamento preventivo: que a dor seja menos intensa, tenha menor duração e que o paciente não tenha mais dores incapacitantes.
Por isso, é fundamental deixar claro que o sucesso do tratamento não se mede apenas pela frequência das crises. Cada paciente tem uma resposta e uma expectativa diferente.
Em relação ao fremanezumabe, sabemos que ele tende a ter uma ação mais rápida. Já na primeira semana, muitos pacientes relatam melhora na frequência e até na intensidade das dores. No entanto, há pacientes que respondem de forma mais tardia, e outros que não respondem ao tratamento com anticorpos monoclonais. Antigamente acreditava-se que cerca de 40% não respondiam; depois os estudos mostraram 30%, e hoje sabemos que apenas em torno de 15% dos pacientes realmente não apresentam resposta significativa.
Essas análises mais robustas mostram que melhorar esses cinco parâmetros , frequência, intensidade, uso de analgésicos, duração das crises e impacto funcional , é o que realmente indica um tratamento eficaz. E há ainda um sexto ponto fundamental: a percepção do paciente.
A percepção do paciente é essencial. Sempre pergunto, nas consultas: “Qual é a sua expectativa com o tratamento?” A maioria dos pacientes crônicos já entende que não existe cura para a enxaqueca. É uma doença genética e cíclica, com períodos de maior e menor intensidade.
Nas mulheres, isso é ainda mais perceptível por causa das variações hormonais. Portanto, é preciso ajustar as expectativas, entender que o objetivo é o controle da doença, e não a cura.
Muitos pacientes chegam dizendo: “Você é a última pessoa que pode me ajudar.” E eu sempre recebo isso com empatia, mas também com realismo. Mesmo com os melhores medicamentos e procedimentos, nenhum tratamento garante cura, porque a enxaqueca é uma condição genética complexa, associada a mais de 150 regiões genéticas diferentes que podem influenciar seu desenvolvimento.
Marina: Entendi. Então a ideia é a seguinte: a pessoa que está com uma dor nível 10 , que não consegue trabalhar, viver ou fazer nada , pode não ter a dor completamente eliminada pelo remédio, mas vê essa dor diminuir para um nível 3 ou 4. Assim, ela ainda sente dor, mas consegue trabalhar, estudar e viver normalmente.
O benefício está justamente nessa redução da intensidade da dor, na diminuição da duração das crises e na redução dos dias de enxaqueca. Por exemplo, uma dor que antes durava 72 horas ou 48 horas pode começar a ceder muito mais rápido, especialmente com o uso do analgésico.
Portanto, não estamos falando em “zerar” a dor ou em milagre, e sim em uma melhora real da qualidade de vida. Essa combinação de menor intensidade, menor duração e menor frequência das crises tem trazido uma grande satisfação aos pacientes, tanto nos estudos quanto na prática clínica.
É por isso que essa medicação é indicada, certo, doutor? Esse seria o “resumão”?
Dr. Mohamad: Sim. Deixar isso claro é extremamente importante, porque estamos falando da doença que mais incapacita pacientes entre 18 e 49, 50 anos de idade.
Isso é muito significativo. Hoje existe um esforço muito maior, e até parabenizo os colegas da Sociedade Brasileira, do comitê responsável por essas práticas de saúde pública, junto ao Ministério da Saúde para tentar introduzir, principalmente nos convênios e no Sistema Único de Saúde, tratamentos mais eficazes.
A enxaqueca pode tirar uma ou duas semanas de produtividade de uma pessoa, e isso interfere tanto para órgãos governamentais quanto para as empresas. Mas, como não é uma doença que mata, muitas vezes acaba sendo negligenciada. Por isso, os esforços têm aumentado e a nossa sociedade brasileira tem sido cada vez mais atuante e impactante nesse sentido.
A ideia principal do tratamento é que o paciente não fique incapaz, que ele não precise parar sua vida ou suas atividades de trabalho, que não tenha prejuízo na vida afetiva e social, que não deixe de aproveitar um dia com os filhos. O paciente com dor tende naturalmente a se recolher. A dor incapacita, limita, modula o humor e o dia a dia da pessoa.
O objetivo é reduzir essa percepção de sofrimento e incapacidade. Outros fatores também são importantes, mas não existe como garantir cura completa ao paciente. O que esperamos é que ele fique cerca de 80% do tempo sem dor, embora ainda possa ter momentos com algum grau de prejuízo.
Marina: Entendi. Excelente, doutor. Nossa, muito obrigada por esclarecer tão bem, porque assim a gente fica com uma noção melhor. Eu, por exemplo, quando fico em dúvida, às vezes tenho medo de iniciar um tratamento que seja mais longo e mais caro, como é o caso do Ajovy. Tenho receio de prejudicar as finanças e, mesmo assim, o tratamento não funcionar, como já aconteceu comigo algumas vezes.
Só para confirmar, eu pesquisei na internet e a injeção do Ajovy custa em torno de R$ 1.700 por aplicação. O doutor comentou sobre um desconto que a indústria oferece. Para quanto o preço costuma baixar com esse desconto? O senhor tem uma noção, só para o pessoal que está assistindo ter uma ideia?
Dr. Mohamad: Tem sim. No primeiro mês, nos primeiros três meses na verdade, como o paciente faz a adesão ao programa, o desconto da própria empresa que vende o fremanezumabe reduz bastante o valor. Pode ser que tenha variado um pouco, dependendo de atualizações de preço no início do ano, mas costuma ficar em torno de R$ 1.050,00 já nesses primeiros três meses. Como é uma ampola por mês, para aplicação mensal, o paciente acaba pagando esse valor por injeção.
Depois, a partir da quarta dose, o desconto passa a ser de 30%. Então, fazendo aqui uma conta aproximada, o valor costuma cair para algo em torno de R$ 780,00, mais ou menos. É esse valor que o paciente passa a pagar a partir do quarto mês.
Pelo que me recordo, esse desconto maior passa a ser concedido a partir da terceira dose. O paciente pode comprar as três injeções de uma vez e aplicá-las mensalmente, porque a eficácia da medicação permanece a mesma. Isso já foi comprovado em estudos.
No Brasil, inclusive, temos a possibilidade de usar o Ajovy em crianças a partir dos 12 anos, pesando por volta de 40 quilos, dependendo da dose indicada, sempre ajustada com segurança. Ainda não temos estudos em gestantes que nos garantam ausência de riscos significativos, então essa é uma das principais contraindicações.
Marina: Entendi, perfeito. Doutor, eu vi no seu Instagram que alguns médicos, às vezes, têm a impressão de que o paciente tem enxaqueca, mas na verdade ele apresenta hipertensão intracraniana idiopática. O senhor pode nos explicar quais perguntas ou sinais clínicos são avaliados durante a consulta para fazer o diagnóstico correto da enxaqueca e ter certeza de que aquele é realmente um paciente com enxaqueca, e não com hipertensão intracraniana?
Eu estou perguntando isso porque a audiência do Telix inclui muitos médicos recém-formados ou de outras especialidades, e o paciente chega para eles com queixa de dor de cabeça. Eles querem atender, gostariam de atender, e pediram para a gente incluir entrevistas com especialistas que dessem essas orientações para melhorar a prática clínica deles também.
Então é isso, falei bastante, mas gostaria de saber: quais são os exames e as perguntas feitas durante a consulta para diferenciar essas duas condições?
Dr. Mohamad: Vou tentar fazer uma síntese, embora seja um assunto que daria para conversar por duas horas. Primeiro, estamos tratando de uma doença extremamente comum: a enxaqueca atinge cerca de 15% da população. No Brasil, isso significa aproximadamente 35 milhões de pessoas. Em contrapartida, a hipertensão intracraniana idiopática é uma doença rara. Vemos cerca de 4 casos em cada 100 mil mulheres, principalmente porque é uma condição majoritariamente feminina.
Existem sintomas muito semelhantes entre os dois perfis de pacientes, até porque, na hipertensão intracraniana idiopática, o paciente pode ter dor tanto da própria hipertensão intracraniana quanto uma dor do tipo enxaqueca. Não é à toa que essas mulheres acabam sendo diagnosticadas tardiamente, muitas vezes após 7, 10 ou até 12 anos. Isso só costuma ser acelerado quando a paciente desenvolve um prejuízo visual significativo e acaba indo ao oftalmologista, que então encaminha para o neurologista. Mas, até chegar a esse ponto, a dor de cabeça mascara muitos sinais.
E quanto mais tempo o paciente permanece com dor, maior é a chance de esses sintomas mascararem o quadro real. Existem, porém, sinais e sintomas que podem levantar suspeita. Por exemplo: Uma dor de cabeça nova, muito forte, diferente da habitual, que piora ao deitar, que desperta o paciente à noite, que impede de dormir e melhora quando senta ou fica em pé. Alterações visuais importantes também chamam atenção: turvação visual, escurecimento, embaçamento, episódios transitórios de perda da visão que vão e voltam várias vezes ao dia, brilhos que não parecem aura de enxaqueca e acontecem repetidamente. Alguns pacientes chegam a perder a visão de forma mais intensa porque podem estar sofrendo lesão do nervo óptico.
Visão dupla é outro sinal. E aqui é visão dupla real: ver duas pessoas, dois objetos. Geralmente piora para objetos distantes. Também podem aparecer sintomas auditivos, como zumbido persistente, sensação de pulsação no ouvido, ou a sensação de “estar descendo a serra”, que chamamos de plenitude ocular.
Todos esses sintomas sinalizam que não estamos diante apenas de uma enxaqueca. E existe um fator importante na hipertensão intracraniana idiopática: o sobrepeso. Sabemos que mais de 80% das mulheres com essa condição têm obesidade, e esse é o principal fator de risco a ser abordado durante o tratamento.
Devemos sempre pensar no mais comum. Em 80%, 85% dos casos que chegam ao neurologista, será enxaqueca, e muitos médicos talvez nunca vejam um caso de hipertensão intracraniana na vida. Mas quando estamos diante de pacientes que não melhoram, que não respondem aos tratamentos, que nunca tiveram benefício, ou que apresentam sintomas atípicos, é fundamental questionar ativamente esses sinais relacionados à visão e a outros sistemas.
Muitas vezes, não vamos conseguir fechar o diagnóstico logo na primeira consulta, mas é importante manter essa percepção. Se algo não parece se encaixar no padrão da enxaqueca, vale investigar.
Apesar de as duas doenças terem prevalências totalmente distintas, uma muito rara e a outra extremamente comum, manter essa atenção aos sintomas ajuda a identificar quadros que podem passar despercebidos.
Marina: Ok, então olhar o peso da paciente faz parte, né? A obesidade é um dos fatores?
Dr. Mohamad: Mas não são apenas pacientes obesas ou com sobrepeso que têm a doença. Ela é mais comum nesse grupo, pela porcentagem que a literatura mostra, mas existem pacientes que não têm obesidade, nem sobrepeso, e ainda assim desenvolvem hipertensão intracraniana idiopática. Não é uma regra, mas precisamos sempre considerar as probabilidades e o que os estudos apontam.
Marina: E aí, de diferente da enxaqueca, então, seria o zumbido no ouvido? Porque essa história da visão embaçada e tal parece muito com a aura, ou não?
Dr. Mohamad: Não só com a aura. Existem fenômenos muito subjetivos para os pacientes. Enxaqueca não é uma doença limitada apenas à dor. Ela acomete vários sistemas do nosso corpo. O paciente refere muitas alterações relacionadas ao sistema nervoso autônomo. Então, ele pode ter percepção de cheiro alterada, alterações visuais que nem sempre são aura.
Existem fenômenos visuais que não fazem parte de todos os pacientes com enxaqueca, seja ela episódica ou crônica. Alguns dizem “minha visão fica embaçada”, e essa é uma queixa subjetiva muito comum. Vários pacientes com enxaqueca falam exatamente isso: visão embaçada, distorcida, turva. Mas eu sei que isso, isoladamente, não significa hipertensão intracraniana.
A hipertensão intracraniana é uma doença rara e é um diagnóstico de exclusão. Ou seja, antes de dizer que é um caso idiopático, é preciso excluir todas as outras causas estruturais que possam aumentar a pressão intracraniana. Até hoje não se sabe exatamente o motivo pelo qual ela acontece em alguns pacientes.
Já a enxaqueca é uma dor de cabeça com critérios bem definidos, mas esses critérios não são exclusivos da doença. Existem pacientes que apresentam quadros atípicos, modificados ou diferentes. Um paciente tem dor pulsátil, outro tem dor em pressão. Isso faz com que deixe de ser enxaqueca? Não. Os critérios ajudam a guiar, mas o médico precisa ser o capitão do barco.
Marina: Entendi. Em quais casos é necessário pedir uma punção lombar ou, de repente, encaminhar para uma consulta com o oftalmologista para verificar papiledema? Em que situações o senhor faz essa investigação mais profunda?
Dr. Mohamad: Qualquer médico está apto a fazer o exame de fundo de olho, mas é um exame difícil. Poucas especialidades têm prática significativa, até mesmo dentro da neurologia, dependendo do material e da experiência. Existe, de fato, uma dificuldade muito grande de adesão ao exame do fundo de olho. Ele acaba passando batido. Pouquíssimos médicos o realizam na emergência. Pouquíssimos mesmo, para não dizer uma porcentagem extremamente baixa.
Todo neurologista deveria saber fazer o exame, principalmente quem trabalha com dor de cabeça. É quase um crime um neurologista que atende cefaleia deixar de fazer o fundo de olho em um paciente com queixa compatível. Claro, há casos muito clássicos em que você fica tranquilo, mas na maioria absoluta das vezes nós deveríamos realizar, sim.
Se existe suspeita e eu não tenho certeza se o que estou vendo é realmente um inchaço, se é edema, se é outra alteração, eu encaminho para o oftalmologista e peço auxílio. Se o colega tem dificuldade, ou se queremos uma avaliação com foto do fundo de olho, pedimos esse apoio. Precisamos ter humildade para reconhecer limites e solicitar ajuda quando necessário.
Quanto à punção lombar, não existe uma regra fixa. Depende do que você está investigando. No caso da enxaqueca, é importante deixar claro: o diagnóstico é clínico. Isso significa que basta conversar com o paciente, ouvir a história, entender os critérios. Não é necessário nenhum exame de imagem ou de sangue para diagnosticar enxaqueca.
Os exames só entram quando existe sinal de alarme, sintoma atípico ou apresentação diferente do padrão. Aí sim vale a pena solicitar imagem para descartar causas secundárias.
Muitos pacientes chegam com vários exames: quatro, cinco, seis tomografias ou ressonâncias. E sempre dizem “nunca aparece nada”. E realmente não vai aparecer, porque enxaqueca faz parte de uma predisposição genética. Essa é uma frustração comum, e é importante explicar isso ao paciente para que ele pare de procurar causas ocultas ou malignas.
O importante é alinhar expectativas desde a primeira consulta e ser absolutamente sincero.
Marina: Porém, no caso da hipertensão intracraniana, existe um exame específico, que é a punção lombar, que confirma ou descarta a doença, certo?
Dr. Mohamad: Isso é um dos critérios para fazer o diagnóstico da doença. Existem critérios específicos sobre quanto a pressão deve estar aumentada e quais outros exames complementares precisam ser feitos para que o diagnóstico seja confirmado. É diferente do raciocínio da enxaqueca.
Pedir esse exame faz sentido quando o paciente, que foi tratado a vida toda como enxaqueca, apresenta fatores de risco, sinais estranhos, algo que desperta a atenção clínica. O médico, de certa forma, é um detetive. Se o paciente não responde aos tratamentos, continua incapacitante, não melhora com nada, tem características de dor posicional, vale investigar.
A enxaqueca pode acordar o paciente à noite. A enxaqueca pode piorar quando o paciente está deitado. Então, algumas características se confundem. Por isso, sinais de alarme atípicos ou uma ausência completa de melhora, mesmo com vários tratamentos bem conduzidos, podem justificar ampliar a investigação, inclusive avançar para a punção lombar.
Mas isso não é uma regra, Marina. O paciente não deve sair da live e pedir uma punção lombar porque a dor não melhora. É preciso avaliar o que faz sentido para ele e para o médico. Temos que tomar cuidado para não induzir pacientes desnecessariamente. Às vezes, o que é discutido aqui ou até em congressos pode ser mal interpretado se tirado do contexto.
A pergunta certa é: em que cenário, para aquele paciente específico, esse exame realmente faz sentido? Por isso, eu sempre questiono, sempre reflito sobre o quadro clínico.
Marina: Perfeito, doutor. Agora, entrando na parte prática da consulta. O que o paciente deve levar de informações? Ainda dentro desse tema da hipertensão intracraniana, eu vi no seu curso online, que aliás é muito bom, gostei bastante, que o uso de medicamentos super comuns, como corticoides, antibióticos e até vitamina A, pode ser um fator de risco para hipertensão intracraniana.
Então, para que a consulta sobre enxaqueca seja a melhor possível e realmente ajude o médico a fazer o diagnóstico correto, que informações o paciente deve levar já organizadas para a consulta? O que exatamente o paciente deve apresentar?
Dr. Mohamad: Acho que essa foi a pergunta mais difícil que você me fez até agora. Pensando bem, eu nunca parei de fato para estruturar isso exatamente, mas posso te dizer como funciona na minha prática.
O que mais me ajuda é um formulário pré-consulta com algumas informações básicas que não são protegidas pela lei de proteção de dados. Não é uma obrigação do paciente, mas facilita muito para entender a trajetória dele em relação ao uso de medicações, condições associadas, comorbidades, tratamentos atuais para outras doenças como hipertensão ou diabetes, e também se ele já tratou enxaqueca alguma vez na vida, o que usou, como usou e por quanto tempo.
As doses também importam muito, mas muitos pacientes não lembram. E, por isso, às vezes não conseguem dizer se o tratamento anterior foi feito na dose correta, ou pelo tempo adequado, para que pudéssemos realmente avaliar eficácia. A concepção do paciente crônico é de que já fez de tudo, quando na prática a maioria não fez. E eu te digo com tranquilidade, Marina: a maioria não fez nem o mínimo necessário. E isso não é culpa do paciente. Muitas vezes houve falha na comunicação médica, especialmente sobre o que é eficácia e o que é efeito colateral.
Eu gosto muito quando o paciente consegue me enviar previamente informações sobre doenças prévias, medicações que já usou, tratamentos que tentou, exercícios físicos que pratica, quanto faz, se fuma, se bebe. São informações básicas da nossa investigação clínica e ajudam a adiantar uma parte importante da consulta, deixando mais tempo para conversarmos com calma sobre dor de cabeça.
Não é um julgamento, mas eu não acredito que seja possível fazer uma avaliação completa de primeira consulta sobre enxaqueca em 15 ou 30 minutos. A história é complexa. É preciso desmistificar gatilhos que talvez não existam, fatores que talvez não desencadeiem nada, crenças que não fazem parte da causa da dor.
Sobre exames, é claro que pode trazer. Eu não posso dizer para o paciente não levar. Mas, na grande maioria das vezes, exame de imagem não mostra causa de enxaqueca. Aí aparecem aqueles “pontinhos” e o paciente chega dizendo “me falaram que isso é da enxaqueca”. E aí começa todo um processo de orientação.
O paciente com enxaqueca sofre não só pela dor, mas pela desinformação. Hoje vemos tanta coisa na internet que, apesar dos pontos positivos, também traz muita informação falsa sobre origem, tratamento, o que funciona e o que não funciona. As coisas são muito mais complexas do que parecem.
Marina: Entendi. Então olha só que mudança de paradigma: não são os exames que são mais importantes para levar à consulta, e sim o histórico. Nesse caso, como o doutor comentou que muitos pacientes não lembram das doses, se o paciente guardar os receituários médicos que já utilizou, ali vai estar a dose certinha. Isso acaba ajudando muito mais o médico do que os exames em si, certo?
Dr. Mohamad: A primeira coisa que o paciente faz quando chega aqui é sentar e dizer “doutor, eu já trouxe os exames”, e ele coloca tudo em cima da mesa. É sempre a primeira preocupação. Aí eu pego os exames, gentilmente, e digo “isso aqui é o de menos” e coloco ao lado. O paciente fica me olhando, assustado, e pergunta “mas o senhor não vai ver meus exames?”. E eu respondo: “Não, isso aqui não é o mais importante agora”.
E às vezes, no final da consulta, eu até preciso me lembrar de olhar os exames para não esquecer, porque já imagino desde o começo que não vai ter absolutamente nada de relevante neles. Mas por ética eu olho, claro. Aí o paciente diz: “Então quer dizer que eu não preciso mais ficar fazendo exame?”. Não precisa.
Mas sempre aparece alguém no consultório querendo apenas o exame, só querendo confirmar algo no exame. “Doutor, eu só quero saber o que eu tenho no exame.” E isso vira uma luta, porque é difícil convencer o paciente de que enxaqueca não aparece em exame nenhum. Eles vêm tão condicionados a acreditar que só um exame pode explicar a dor, que mudar essa mentalidade é realmente desafiador.
Marina: Entendi, entendi. Agora, doutor, nessa questão do histórico: uma vez levei minha filha a uma consulta médica e achei muito interessante que a médica pediu para eu levar todas as receitas que ela já tinha recebido. Ela só tinha cinco anos e eu levei um calhamaço enorme. Depois até escaneei tudo e mandei por e-mail. Mesmo sendo tão pequena, já era muita coisa. A médica levou uma hora só para analisar aquilo.
No caso de um adulto que tem enxaqueca há vinte anos, eu imagino que seja praticamente uma mala cheia de tratamentos já tentados, de prescrições anteriores, doses diferentes. Como o médico faz para analisar tudo isso e extrair desse histórico o que realmente importa?
Dr. Mohamad: Às vezes nem consegue. Eu diria que, na maioria das vezes, não consegue. Pouquíssimos pacientes trazem as prescrições antigas, até porque, antigamente, tudo era no papel e a maioria não guardava. Mesmo hoje, com prescrições impressas, muitos ainda não mantêm registro. O que eles trazem geralmente são relatos, e esses relatos nem sempre correspondem exatamente ao que aconteceu.
Às vezes eu percebo que o paciente nem está muito interessado em detalhar o que usou, porque, para ele, “não funcionou”. Mas para mim isso é importante, porque preciso entender o que funcionou, o que não funcionou, o que pode ter ajudado, mesmo que o paciente não perceba.
Uma consulta envolve entusiasmo do médico para tratar e expectativa do paciente para melhorar, e isso consome energia dos dois. Então, quando o paciente não tem como trazer um histórico organizado, eu não foco tanto no receituário. Nesse caso, vamos ter que definir condutas quase do zero e orientar novamente. Pode ser que ele acabe usando medicações que já funcionaram no passado, ou que já teve um custo-benefício excelente e ele nem lembrava.
Não é necessário “mudar o jogo” o tempo todo. Às vezes, tratamentos mais simples foram muito eficazes para aquele paciente e vale a pena reconhecer isso. É preciso ter humildade para entender que, muitas vezes, o que funcionou de forma simples pode continuar funcionando.
No fim das contas, tudo se resume a uma boa conversa. Escutar o paciente, deixar ele falar, deixar ele desabafar. Ele está ali para isso. Precisa contar o que fez, quanto tempo usou, como reagiu. O receituário raramente está ali certinho para eu analisar. O que acontece é o paciente dizer: “usei isso por um tempo, mas não lembro a dose”, “não sei se me ajudou tanto”. E aí eu pergunto: quanto tempo usou? Foi dose máxima? Foi pelo tempo adequado?
Sem essas informações, não dá para dizer se realmente “não funcionou”. Mesmo assim, a opinião dele é muito importante. É a partir desse diálogo que conseguimos avançar.
Marina: Se ele tivesse o receituário seria melhor, porque daria para ver a dose. Mas não adianta só o receituário, não é só enviar pela internet. Tem que ser o receituário junto com a conversa, para entender a percepção do paciente em relação ao resultado. É isso, doutor?
Dr. Mohamad: É que, na maioria das vezes, não houve uma conversa muito detalhada sobre o que é a doença, como tomar a medicação, o que esperar do tratamento. A queixa costuma ser sempre a mesma: “O doutor me passou outra coisa e disse que isso é normal, que enxaqueca não tem cura e que vai ser assim pelo resto da vida.” Muitas vezes, o paciente aumenta essa história porque existe frustração: “Eu não melhorei. Mas por quê? Ninguém me explicou como a doença funciona. Eu estou esperando a cura porque me disseram que a minha amiga tomou tal remédio e nunca mais teve dor de cabeça.”
E aí entra uma questão importante: até onde isso é verdade? Até onde isso é ficção? Muitas vezes é uma expectativa frustrada do próprio paciente em relação à doença, mas essa frustração nasce da falta de conhecimento sobre a patologia, sobre o que realmente significa ter enxaqueca.
Isso não vale só para enxaqueca. Serve para qualquer transtorno crônico, inclusive condições de neurodivergência. Quando a pessoa finalmente entende o que tem, ela não é “curada”, mas começa a se compreender melhor e a aceitar algumas coisas. Na enxaqueca é exatamente assim.
Por isso, precisamos ser o guia. Precisamos orientar o paciente, esclarecer e não criar ilusões falsas.
Marina: Entendi, perfeito. Eu vi que o senhor atende por telemedicina também. Quais são as principais diferenças entre a consulta online e a presencial?
Dr. Mohamad: Acreditávamos que a telemedicina seria um desastre. Parecia que não funcionaria porque você não vê o paciente, não toca no paciente. Existem vários detalhes envolvidos. Mas hoje já temos estudos demonstrando que a telemedicina consegue resolver grande parte das queixas dos pacientes.
Claro, existem nuances sobre quais tipos de queixas ela consegue resolver melhor, especialmente quando falamos de iniciar um tratamento ou fazer uma primeira avaliação. Na minha opinião profissional, eu sempre fico mais entusiasmado quando posso ver o paciente presencialmente. Eu prefiro. Isso não significa que eu não consiga dar assistência pela telemedicina. Consigo, e tenho vários atendimentos semanais dessa forma, sem problema algum. Mas essa é uma preferência pessoal. Gosto do contato direto.
Em algumas especialidades isso não faz tanta diferença, mas na neurologia o exame físico é muito detalhado. Quando existe algum sinal de alarme, quando é um caso muito refratário, quando o paciente não melhora com nada, eu mesmo faço o convite: “Eu gostaria de te ver presencialmente. Você pode vir? Assim posso te examinar com calma.” Pode ser que não tenha nada, mas é importante dividir isso com o paciente.
Mas não devemos criar a expectativa de que telemedicina é ruim. Pelo contrário. A medicina mudou, principalmente durante e depois da Covid. A telemedicina revolucionou o acesso ao atendimento. E existem estudos muito grandes mostrando que, na área da dor de cabeça, ela ajuda demais.
É importante quebrar esse preconceito. A telemedicina pode ajudar, e ajuda muito.
Marina: Sim, mas olha, muito obrigada pela participação nessa live. Ela vai completa para o YouTube, para o Spotify e também para o site do Telix. Então, quem perdeu o finalzinho vai poder assistir depois.
No Instagram ela não fica gravada, mas separamos os melhores momentos e postamos cerca de 20 minutos por lá.
Doutor, muito obrigada mesmo por compartilhar toda essa experiência conosco. Foi uma honra e uma entrevista super, super legal.
Dr. Mohamad: Obrigado pelo convite, Marina. Estou à disposição. Se quiser, fazemos outra sem problema. Obrigado pela confiança!



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